1. O paradigma emergente
O conhecimento científico, como hoje é concebido, foi construído progressivamente desde o século XVI. Os cientistas mais influentes nesta construção, como Newton, Darwin, Durkheim, Lavoisier ou Adam Smith, trabalharam e viveram entre o século XVIII e o início deste século. Dos seus trabalhos resultou o paradigma científico dominante, que procura um conhecimento objectivo, universal e determinista.
Este modelo de racionalidade foi desenvolvido essencialmente no seio das ciências naturais, com base em regras metodológicas e princípios epistemológicos perfeitamente definidos, com base nos quais define mesmo o carácter racional de uma forma de conhecimento. A sua característica mais marcante é uma confiança quase absoluta na capacidade de previsão da ciência, que resulta na convicção de que a explicação e previsão de todos os fenómenos está ao seu alcance. A matemática, com as suas ideias claras e objectivas, constitui-se assim não só como o principal instrumento deste paradigma científico mas também como o seu próprio suporte lógico.
Apesar do seu sucesso (patente na sua aplicação tecnológica corrente), este paradigma parece estar hoje a ser posto em causa. A sua crise iniciou-se com a Teoria da Relatividade de Einstein e a mecânica quântica, não sendo possível ainda saber quando se conhecerá o seu desfecho.
Na sua obra "Um Discurso sobre as Ciências", Boaventura de Sousa Santos afirma que "os sinais conhecidos nos permitem tão-só especular acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário mas que, desde já, se pode afirmar com segurança que colapsarão as distinções básicas em que assenta o paradigma dominante". Este colapso do paradigma dominante resulta de um conjunto de novos conhecimentos científicos, dos quais se podem destacar quatro descobertas fundamentais: a Relatividade da Simultaneidade de Einstein, o Princípio da Incerteza de Heisenberg, o Teorema da Incompletude de Gödel e a nova abordagem da complexidade em sistemas dinâmicos.
O pensamento sobre a Relatividade da Simultaneidade de Einstein é tão simples como isto: como a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser demonstrada, só pode ser definida, portanto é arbitrária. Isto é o suficiente para alterar por completo a nossa noção de tempo e espaço, deitando por terra o tempo e espaço absolutos de Newton.
O Princípio da Incerteza de Heisenberg, no âmbito da mecânica quantica, tem também consequências marcantes ao resultar da demonstração de que não é possível conhecer simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula atómica. Ou seja, que não é possível observar sem alterar o objecto observado.
Os teoremas de Gödel são, talvez, a mais surpreendente destas descobertas, pois surgiram no domínio científico que mais imune parecia estar a abalos epistemológicos - a Matemática. Gödel demonstrou que é possível formular proposições que não se podem demonstrar nem refutar seguindo as regras da lógica matemática.
O quarto pilar desta crise do paradigma dominante é a nova abordagem da complexidade em sistemas dinâmicos. Trata-se de um novo corpo de conhecimentos cujo objecto são os sistemas dinâmicos não-lineares, logo, de comportamento imprevisível, que atravessa disciplinas tradicionais e contraria o mecanicismo clássico com conceitos como a auto-semelhança ou a dependência sensível das condições iniciais.
A crise do paradigma dominante está
assim a destruir, progressivamente, as fronteiras disciplinares
em que, arbitrariamente, a Ciência tinha dividido a realidade.
A ciência determinista está a ser substituída
por uma ciência probabilística.
Quanto à caracterização do paradigma emergente, esta só pode ser antecipada especulando sobre o que se pode depreender da crise do paradigma dominante.
Em primeiro lugar a fragmentação do conhecimento na pós-modernidade parece ser temática e não disciplinar, ou seja, todo o conhecimento é local e total. Isto leva a que, na praxis interveniente, seja recomendável pensar globalmente para agir localmente.
Por outro lado, "a composição transdiciplinar e individualizada (...) sugere um movimento no sentido da maior personalização do trabalho científico", ou seja, a dimensão subjectiva, tão arduamente combatida pelo paradigma dominante, ganha agora uma nova importância fundamental. Boaventura de Sousa Santos afirma mesmo que "todo o conhecimento é auto-conhecimento".
Por fim, é de referir a tendência
para que todo o conhecimento científico se constitua em
senso comum. A Ciência pós-moderna, ao saber que
nenhuma forma de conhecimento é
racional em si mesma, procura a racionalidade pelo diálogo
com outras formas de conhecimento, pois "só a configuração
de todas elas é racional". Numa inversão completa
dos papeis definidos pelo paradigma dominante, agora é
o senso comum que se considera a forma de conhecimento mais importante,
pois é ele que, no quotidiano, orienta as nossas acções
e a nossa compreensão da realidade.
O conhecimento em gestão de empresas pode ser apontado como um bom exemplo deste novo tipo de construção de saber. Resulta de um dialética permanente entre sua prática interveniente e o referencial teórico que a enquadra. Como veremos, é este o motor da sua evolução e a fonte do seu desenvolvimento.