2. A complexidade nos sistemas económicos e empresariais
Apesar de a geometria fractal ter tido
o seu início com dados de origem económica, só
muito depois é que as ciências económicas
e empresariais começaram a importar conceitos e ideias
das novas formas de encarar a complexidade. Mas basta verificar
que a maior parte dos sistemas económicos são dinâmicos
(ao evoluírem no tempo, dependendo o seu estado futuro
do seu comportamento passado) e não-lineares (imprevisíveis
e turbulentos), para que pareça inevitável considerar
a relevância de características como a dependência
sensível das condições iniciais ou a auto-semelhança.
Caos económico
Mas como identificar evoluções caóticas na economia? Em que é que isto nos pode ajudar a compreender a realidade económica? David Ruelle, um dos pioneiros do Caos, estabeleceu uma analogia extremamente interessante entre um sistema económico e um sistema físico dissipativo. Como sistema físico podemos escolher uma camada de líquido viscoso aquecido, actuando como força exterior o aquecimento aplicado. No sistema económico, como força exterior podemos considerar o desenvolvimento tecnológico.
Para temperaturas baixas e pequeno desenvolvimento tecnológico, ambos os sistemas atingem um equilíbrio estável. Com um pouco mais de energia, começam a apresentar oscilações periódicas. Na realidade, foram efectivamente observados ciclos económicos aproximadamente periódicos. A níveis mais elevados de desenvolvimento tecnológico, pode haver a sobreposição de duas ou três periodicidades diferentes (tal como se pode observar em qualquer manual de História Económica). Por fim, a níveis suficientemente elevados de temperatura e desenvolvimento tecnológico, os sistemas tornam-se turbulentos, e entram na região do Caos. O sistema económico torna-se imprevisível, com variações irregulares e uma dependência sensível das condições iniciais. Parece razoável afirmar que vivemos hoje neste tipo de economia.
Apesar da forma convincente com que é possível traçar este paralelo, a aplicação prática do Caos à Economia esbarra no facto de esta evolução se processar num fundo de crescimento geral, de ser susceptível a fortes choques externos e de não haver séries temporais suficientemente longas. Isto não impede, porém, que o contributo conceptual do Caos para as ciências económicas e empresariais seja importante e que a visão da realidade e os conceitos que lhe estão associados sejam devidamente tidos em conta e aplicados nestas ciências.
Quanto a esta matéria, é interessante recordar que, em Setembro de 1987, se reuniram Santa Fé nos Estados Unidos, físicos e economistas para avaliarem as potencialidades da dinâmica não-linear para a economia. Acabaram por ser apresentados vários trabalhos, explorando as possibilidades mais promissoras.
Por exemplo, W. Brian Arthur, da Universidade de Stanford, apresentou uma comunicação sobre mecanismos de auto-reforço (feedback) em Economia. Um bom exemplo deste tipo de mecanismos é a forma como o mercado de equipamentos de vídeo evoluiu no sentido de um monopólio do sistema VHS, face ao moribundo Betamax (apesar de este último ser tecnicamente preferível). O mercado do vídeo doméstico corresponde nitidamente a um sistema de feedback. Quanto mais equipamentos de um sistema forem vendidos, mais filmes estarão disponíveis para esse sistema e maior preferência terão os consumidores por o adquirir, porque têm um maior números de títulos disponíveis para ele. Sendo assim, qualquer pequena vantagem pode ser ampliada até resultar no monopólio de um dos sistemas. Tendo sido lançados ambos os sistemas sensivelmente ao mesmo tempo, as quotas de mercado terão estado equilibradas até um determinado momento, quando uma pequena vantagem do sistema VHS foi ampliada de tal forma que resultou na situação actual de domínio do mercado.
Este trabalho trata-se apenas de um exemplo,
retirado das doze comunicações que foram apresentadas
e que resultaram em três grupos de trabalho e vários
projectos de investigação conjunta. Passados oito
anos, a pesquisa neste domínio está, naturalmente,
noutro patamar e já existem modelos económicos não-lineares.
A empresa como sistema dinâmico
não linear
A abordagem sistémica das organizações fornece-nos uma base conceptual para entendermos as organizações. Estas são sistemas, compostas por subsistemas e integradas no macro-sistema ambiental que as envolve. O seu comportamento é dinâmico, simplesmente porque evolui no tempo. Temos assim a empresa como sistema dinâmico. Resta saber se apresenta um comportamento que a possa qualificar como sistema dinâmico não linear e, logo, como objecto das teorias da complexidade que têm vindo a ser desenvolvidas.
Há duas propriedades fundamentais a observar, a auto-semelhança e a dependência sensível de pequenas causas, que resultam num comportamento imprevisível, turbulento e longe do equilíbrio. A auto-semelhança, no campo dos negócios, detecta-se pela observação de uma semelhança qualitativa de padrões de acontecimentos, dentro de limites reconhecíveis. Sem que isto resulte na possibilidade de previsão das respectivas consequências, significa apenas que se podem encontrar semelhanças qualitativas, em diferentes escalas, entre sequências de eventos.
A segunda característica é mais relevante para esta matéria. A dependência sensível de pequenas causas resulta da existência de mecanismos de feedback, que ampliam pequenas causas em ciclos viciosos ou virtuosos. Um erro aparentemente insignificante pode conduzir ao colapso de uma organização poderosa, tal como ao aproveitar uma oportunidade que parecia pouco auspiciosa outra empresa pode ser conduzida a um sucesso exponencial.
A Kodak, após a Segunda Guerra Mundial, negligenciou voluntariamente o mercado japonês, por o considerar pouco importante. Isto abriu caminho a que a Fuji conseguisse uma sólida quota de 70% do seu mercado interno e partisse daí para desafiar seriamente a Kodak no resto do mundo, obrigando esta implementar reduções de custos de emergência e levando o valor das suas acções a descer. Tratou-se claramente de uma situação na qual uma pequena causa se ampliou, com consequências desastrosas (para a Kodak) ao fim de algum tempo.
Outro exemplo deste tipo de comportamentos é o caso da Netscape. A World Wide Web foi desenvolvida entre 1989 e 1991 pelo cientista britânico Timothy Berners-Lee, como uma parte da rede mundial Internet, na qual se poderia aceder a documentos em hipertexto, integrando texto e imagens e possibilitando a ligação a outros documentos mediante a simples selecção (geralmente com o rato) de uma palavra sublinhada. Foi a WWW que levou à crescente popularidade da Internet e à sua recente globalização. Para 'navegar' na Web é necessário um programa denominado browser, que lê os documento em hipertexto e gere as complexas ligações com os servidores onde estes estão disponíveis. A Netscape, de Marc Andreesson, criou precisamente um browser espantoso, o Netscape Navigator, que revolucionou a maneira de ver a World Wide Web e contribuiu para a sua expansão. Quanto mais utilizadores a Web tivesse, mais cliente potenciais a Netscape tinha para o seu Navigator e mais páginas surgiriam, aumentando o interesse do público e atraindo novos utilizadores. Apanhada no meio deste ciclo virtuoso, a Netscape ganhou em muito pouco tempo uma relevância e prosperidade notáveis, dominando um mercado ao qual a própria Microsoft chegou atrasada.
Naturalmente, existirão organizações que, devido à sua dimensão reduzida e a uma rara estabilidade do contexto onde se inserem, não apresentarão comportamentos complexos e longe do equilíbrio. Para estas, as conclusões deste contributo não terão o mesmo interesse, mas as empresas nesta situação são cada vez em menor número. A complexidade no comportamento de uma organização pode resultar de si própria, pela sua dimensão ou pela forma como os seus subsistemas interagem em feedback, mas pode também ser resultante da turbulência do ambiente de mercado onde esta se insere e dos mecanismos que lhe estão subjacentes.
Entenda-se então a empresa (com as restrições referidas acima) como um sistema dinâmico não linear. Qual será a relevância prática desta concepção? Simplesmente brutal. As decisões que tomamos dependem grandemente do quadro mental que construímos para interpretar a realidade. Se alterarmos esse quadro mental, estaremos também a modificar a forma como tomamos decisões e, em última análise, o nosso comportamento. É deste ponto de vista que o contributo das teorias da complexidade pode ser extremamente importante para a Teoria da Gestão. É óbvio que quem procure na estabilidade e equilíbrio o sucesso, terá poucas probabilidades de o encontrar se este se encontrar longe do equilíbrio, algures nas correntes do Caos. Adoptando um modelo mental mais adequado à realidade actual, estaremos necessariamente a caminhar na direcção certa.
Mas este novo modelo que agora se propõe
não faz sentir o seu impacto de igual forma em todas as
dimensões da organização. Quando se tratar
de um processo de mudança fechada a curto prazo, os métodos
tradicionais de controlo continuam, naturalmente, a aplicar-se.
O principal reflexo vai-se fazer sentir, naturalmente, nas situações
de final aberto, de dimensão estratégica, que determinam
o futuro da organização. A Gestão Estratégica
é, por isso, o primeiro alvo de uma Gestão consciente
da complexidade imprevisível.