2. A necessidade de um novo quadro mental


Para lidar com a enorme quantidade de informação com que é constantemente bombardeado, o cérebro humano recorre a modelos mentais, seleccionando e simplificando a informação em padrões causais reconhecíveis. São estes modelos que depois utiliza para enquadrar a nova informação que recebe e para determinar as suas reacções.

É assim que as nossas escolhas e acções dependem daquilo que aprendemos, pelo que quanto mais adequados à realidade estiverem os nossos modelos mentais, mais eficazes serão as nossas acções. É por isso que a abordagem largamente aceite para a gestão estratégica deve ser substituída: porque constrói um modelo mental que não corresponde à realidade.

Os actuais modelos de gestão estratégica assentam, como vimos no capítulo anterior, em visões e valores partilhados, num processo de planeamento formalizado e num controlo correctivo intermitente. Estas bases partem do modelo mental tradicional do funcionamento de uma empresa: um sistema aberto, mas em que se podem observar as relações directas entre causas e efeito, para o qual o êxito será encontrado no equilíbrio estável, com harmonia interna e uma adaptação perfeita ao meio. Pressupõe-se assim que as previsões do futuro não só são possíveis como devem estar na base de um processo reactivo ou pró-activo de adaptação.

É aqui que se situa, precisamente, a falha de toda esta construção teórica. Este modelo ignora a dinâmica de feedback que faz com que pequenas causas originem grandes efeitos, ignora que a turbulência torna o futuro, por definição, incognoscível e impossível de antecipar e não aceita que cada empresa, como actor organizacional, pode determinar e influenciar as características do próprio meio. A abordagem convencional da gestão estratégica não considera, por isso, a importância da aprendizagem complexa e insiste na definição de planos que, passado muito pouco tempo, se encontram desactualizados e não são executados.

Uma vez que a natureza do cérebro humano faz com que seja impossível agir sem que se tenha presente um modelo mental, importa que este modelo retenha as características fundamentais da realidade. É por isso que é necessário um novo quadro mental para a gestão estratégica, porque mudando os modelos muda-se, indirecta mas profundamente, todo o padrão de acções.

As antevisões do estado futuro da empresa, a Visão ou Missão estratégica, tendem a ser mais prejudiciais do que benéficas. Apesar dos exemplos que são frequentemente citados na literatura de gestão (como a missão da Microsoft de "colocar um computador em cada lar, cada secretária") parecem ser mais numerosos os casos em que uma "visão" enganadora se revelou uma miragem, tendo a empresa persistido num caminho errado, por vezes à custa da própria sobrevivência.

Por outro lado, as missões ou visões expressam apenas, na maior parte dos casos, condições básicas de sobrevivência empresarial (do tipo "servir os nossos clientes" ou "prestar o melhor serviço possível") ou então limitam-se a enunciar aspirações comuns, à partida, a todas as organizações económicas (por exemplo "liderar o mercado", "prestar o melhor serviço" ou "ter a maior rendibilidade"). Em qualquer destas situações, partir de uma ideia
pré-concebida do futuro não propicia que se aproveitem as oportunidades que surjam, nem sugere que a orientação estratégica se ajuste às alterações da realidade. Partir de visões para construir a estratégia é assim definir o caminho antes de se conhecer o mapa.

A coesão interna e a partilha de valores são também considerados fundamentais pela abordagem convencional da gestão estratégica. Contudo, não é pela unanimidade e homogeneidade que se obtém a necessária criatividade para agir no actual contexto empresarial. Estes valores contribuem para uma cultura de empresa conservadora, criando resistências ao surgimento e, sobretudo, à aceitação de ideias novas.

O planeamento estratégico surgiu associado ao maior período de crescimento contínuo deste século, em meados dos anos 60. A mudança que as empresas enfrentavam na altura tinha, por isso, características de mudança quase fechada, o que fazia com que a projecção do comportamento passado numa previsão do futuro fosse, em princípio, útil.

O planeamento estratégico tem em comum com a Organização Científica do Trabalho de Taylor uma separação entre a decisão e a execução, a teoria e a prática. O planeamento procurou assim formalizar o processo intelectual de criar estratégia. O seu objectivo é que os planeadores formulem as melhores estratégias e os planos detalhados para as executar. Se os resultados não corresponderem ao pretendido, haverá sempre duas razões perfeitas (para os planeadores): ou os planos foram executados de forma deficiente ou os gestores de topo não os apoiaram devidamente. O problema, contudo, é mais profundo.

A estratégia, como já foi definida neste trabalho, resulta essencialmente da síntese de inúmeras variáveis e tendências, para a qual são fundamentais a intuição e a criatividade. O planeamento é um processo analítico, sendo por natureza incapaz de produzir um resultado de síntese. O planeamento estratégico não pode ser, por isso, confundido com pensamento estratégico.

Na realidade, o processo de planeamento é, com frequência, um elemento conservador na organização, apesar do seu propósito manifesto de "facilitar as mudanças". Os planos são construções tão detalhadas que se tornam frágeis, podendo cair por terra ao mínimo ajustamento. As próprias características de formalismo do processo tornam-no centralizado e desincentivam a iniciativa e a criatividade. Em resultado, o planeamento geralmente limita-se a articular e reorganizar a linha estratégica actual, sem suscitar grandes mudanças organizacionais e sem criar, na realidade, estratégia.

Por último, em relação ao processo de planeamento, os seus métodos de previsão não passam de projecções do passado sobre o futuro, pelo que são incapazes de levar em conta as descontinuidades e os efeitos da turbulência sobre a possibilidade de prever o futuro.

O controlo intermitente, a intervalos de tempo determinados e essencialmente quantitativo, permite verificar e corrigir desvios quantitativos face ao que tinha sido planeado. É assim apenas um controlo da execução e não um controlo com resultados na estratégia da organização.

Apesar de os próprios gestores não seguirem o modelo formalizado que eles próprios preconizam, há uma enorme resistência a mudar o quadro mental e a ilusão de segurança e estabilidade que o planeamento implica. Aceitar que o futuro é desconhecido e, sobretudo, imprevisível, podendo a sobrevivência da empresa depender de cada pequena acção, é, para dizer o mínimo, motivo de ansiedade para a maior parte dos gestores. Será assim para diminuir essa ansiedade que se insiste num modelo que não está, comprovadamente, adequado à realidade?