3. Da emergência da estratégia a uma nova pilotagem das organizações


Considerar a empresa como um sistema dinâmico não linear altera, como já vimos, o quadro mental em que esta deve ser entendida. Desta alteração devem resultar consequências práticas na utilização que os gestores fazem do seu poder dentro da organização.

Em primeiro lugar, o longo prazo tem que ser encarado com a maior atenção, mas não através de planos ou confiando em visões. Um futuro desconhecido e (o que é mais importante) impossível de conhecer é construído a cada momento. Sendo assim, a empresa confrontar-se-á permanentemente com questões com potencial estratégico, ou seja, que podem vir a contribuir para a construção do seu futuro. Este potencial estratégico pode não ser aparente, pois, como já vimos, pequenas causas podem provocar grandes efeitos. Por isso, é necessária grande atenção e constante reavaliação para detectar o maior número de questões com esta importância.

A criação de uma saudável cultura de empresa não pode degenerar na constituição de uma legião acrítica de fanáticos. A heterogeneidade é a chave da criatividade e uma organização que saiba aproveitar as diferenças de opinião e de valores entre os seus elementos para explorar novas ideias e inovar estará um passo à frente das suas concorrentes.

Por último, é preciso que a empresa saiba utilizar, em simultâneo, diferentes formas de controlo para diferentes situações. O controlo operacional de curto prazo, baseado em processos de planificação, deverá, naturalmente, continuar a assegurar a gestão corrente da empresa. A inovação deverá ser introduzida no controlo das questões com potencial estratégico, onde é necessário o desenvolvimento de novos modelos.

A formação da estratégica como um processo emergente

A mudança com que uma organização se confronta pode variar desde a mudança fechada, na qual as consequências são conhecidas, até à mudança aberta, cujo desfecho é incognoscível. Se na primeira situação era possível definir a priori uma intenção e executá-la, próximos do outro extremo não faz sentido definir orientações, pois a estratégia vai ser construída ao longo do percurso. No primeiro caso falava-se em formulação da estratégia, no segundo é mais correcto referir-se um processo de formação da estratégia.

A estratégia forma-se como o padrão que emerge de um conjunto de acções isoladas, que se reforçaram ou anularam, e que só é verdadeiramente visível retrospectivamente. É assim através de um processo de construção que a estratégia surge.

O controlo tradicional baseia-se na definição prévia da intenção, incidindo sobre a sua concretização. Não existindo esta definição, as preocupações-chave da gestão devem ser criar condições para gerar criatividade e inovação e encontrar novas formas de controlar estrategicamente a organização.

Aprendizagem complexa e criatividade

Em mudança aberta, face à impossibilidade de prever, os gestores de uma empresa podem considerar que toda a inovação é um acréscimo de risco, adoptando uma postura radicalmente conservadora. Esta é a conduta mais perigosa, pois torna apenas numa questão de tempo saber quando essa empresa vai ser liquidada por inúmeros concorrentes mais inovadores. Por outro lado, o raciocínio contrário de que para maximizar a inovação se devem permitir todas as experiências pode redundar numa anarquia auto-destrutiva. Resta então à empresa um estreito caminho, entre estes dois precipícios, no qual se deve equilibrar, aprendendo com os erros e inovando tanto quanto possível, sem comprometer a sua integridade.

A forma mais promissora de criar condições para que a criatividade possa surgir é através de um processo de aprendizagem de grupo, sem limitações formais ou de estrutura. Contudo, para evitar que a organização caia na anarquia destrutiva, a estrutura hierárquica deve constituir um referencial de distribuição de poder regulador. Uma forma de compatibilizar esta estrutura com a aprendizagem de grupo é pela constituição de equipas heterogéneas para explorar novas perspectivas sobre problemas ambíguos de potencial estratégico.

Estas equipas devem reunir pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos, de forma a garantir uma tensão criadora resultante da troca de pontos de vista diferentes, para a qual é fundamental assegurar uma total liberdade de expressão. Competirá aos gestores, pelo seu comportamento e pela forma como utilizam o seu poder, criar as condições para que eles próprios e os seus colegas possam aprender em grupo sobre a mudança aberta.

Esta aprendizagem de grupo deve ser incentivada e aperfeiçoada, de forma a que a empresa esteja preparada para desenvolver novos modelos mentais para as novas situações com que se defronte. No entanto, é fundamental ter presente que não se pode forçar o surgimento de uma ideia criativa. O que pode ser feito é aumentar as probabilidades de que isso aconteça.

Face à mudança aberta, a capacidade de aprendizagem complexa em grupo é fundamental e depende dela a escolha estratégica inovadora e criativa.

Novas formas de controlo e pilotagem das organizações

Ao lidar em simultâneo com um leque de diferentes níveis de mudança (desde a mudança fechada até à aberta) a empresa deve saber aplicar, simultaneamente, sistemas de controlo diferenciados. Para as consequências a curto prazo da mudança fechada, já vimos que o sistema convencional de controlo de gestão se adequa perfeitamente, devendo a empresa utilizar o planeamento e a análise de desvios. É para enfrentar a mudança aberta que é necessário o desenvolvimento de novos modelos de controlo, que consigam direccionar a dinâmica criativa da empresa no sentido do êxito.

Não é demais repetir que em gestão não há receitas. Na gestão em mudança aberta menos se poderia aceitar a prescrição de modelos ou técnicas concretas. Ter presentes estes pressupostos é importante para enquadrar o que se segue como meras sugestões ilustrativas das possibilidades que a gestão em complexidade oferece.

O controlo em mudança aberta deve ser concebido como um processo contínuo e qualitativo, por oposição ao controlo periódico e quantitativo inerente à gestão estratégica tradicional. Este novo tipo de controlo deve incidir sobre o processo de formação da estratégia e não sobre o resultado desse processo. Deve, por isso, agir sobre os mecanismos de tomada de decisão e sobre o desenvolvimento da capacidade de aprender.

A capacidade fundamental da gestão deverá ser detectar e dar atenção às questões com potencial estratégico que se colocam à empresa. Para isso, deve ter em atenção a dinâmica de auto-reforço (que faz com que pequenas causas possam ter grandes consequências), que pode "mascarar" o que vai determinar o futuro da empresa, fazendo-o parecer insignificante.

A chave para este controlo pela atenção pode estar na utilização e permanente actualização de uma agenda de questões com potencial estratégico. A construção desta agenda deve estar intimamente ligada ao processo de aprendizagem complexa e deve orientar a escolha das acções exploratórias a empreender. A sua importância será tanto maior quanto mais a empresa, como grupo de pessoas, conseguir aprender da sua actualização e quanto maior for a atenção que a gestão de topo lhe dedicar.

Para além de depender das agendas estratégicas, as decisões "criativas" devem também depender de um processo político de decisão. Este processo pode definir-se de forma tão simples como "uma ideia, para ser posta em prática, necessita de apoio". Este controlo introduz uma componente de auto-regulação no sistema, tornando participada a escolha estratégica e aproveitando o bom senso colectivo para orientar essa escolha.

Com este enquadramento, torna-se útil sintetizar este modelo de controlo estratégico dinâmico:

Figura 14: Um modelo de controlo estratégico dinâmico

De acordo com este modelo, o controlo estratégico é entendido como um processo que parte da detecção dos elementos relevantes na mudança interna e externa (que interagem entre si), seleccionando-os e interpretando-os, de forma a actualizar a agenda de questões com potencial estratégico. Desta actualização pode resultar o empreendimento de acções, em geral exploratórias, que provocarão novas mudanças internas (e, eventualmente, externas) e que deverão ser avaliadas, no sentido de reforçar as dinâmicas positivas e favoráveis à empresa (os ciclos virtuosos) e de procurar anular as dinâmicas destrutivas (os ciclos viciosos).

Quer com a interpretação da mudança interna e externa, quer com este processo de tentativa e erro, a organização deverá ser capaz de aprender, constituindo essa aprendizagem um referencial para a própria construção da agenda estratégica.

Este é um modelo possível para a pilotagem de organizações longe do equilíbrio. Não se procura aqui uma harmonia interna e uma adaptação perfeita, mas sim uma dinâmica constante de criação e aprendizagem, que leve os gestores a desenvolver novos modelos para lidar com cada nova situação. É na capacidade de inovação constante que se joga, verdadeiramente, o futuro e a sobrevivência de cada empresa. Ignorar este desafio é o caminho mais seguro... Para a própria destruição.